Desejo, Necessidade, Vontade
Entre o que precisamos e o que desejamos, está tudo aquilo que dá sabor à vida.
O que acontece nos meus sonhos, na maioria das noites, é um mistério para mim. Entretanto, não é raro eu acordar com uma música na cabeça. Nesta semana, em uma amanhã atípica que eu não briguei com o despertador, acordei cantarolando:
“Bebida é água, comida é pasto / Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?...
A gente não quer só comida / A gente quer comida, diversão e arte...”.
Essa música fez tanto sucesso que seria difícil identificar se o sonho foi apenas o meu subconsciente manifestando as “memórias” de uma menina de cinco anos — idade que eu tinha quando o álbum Jesus não tem dentes no país dos banguelas, do Titãs, foi lançado — ou se foi por causa do rádio, ou dos shows no Circo e no Canecão que já tive a oportunidade de assistir da banda.
Assim como acontece com a maioria das músicas dos Titãs, especialmente dessa época, a letra de Comida é profunda e traz uma reflexão que ressoa muito em mim. Uma vez, fiz um exercício de um livro muito bom de autoajuda, em inglês, que pedia para identificar os meus principais valores. Eu precisava escolher seis entre uma lista de cem — então imagine como foi difícil! Para você ter uma ideia, um dos que entrou no meu top 6 foi o valor “excitement”, que eu traduzi livremente como “tesão na vida”. E é mais ou menos isso que eu entendo da letra de Comida.
Eu sei que temos necessidades mais básicas que isso. Talvez você conheça a Pirâmide de Maslow, ou “Hierarquia de Necessidades de Maslow”, uma teoria da psicologia proposta por Abraham Maslow em seu artigo “A teoria da motivação humana”, publicado em 1943. Nela, o autor define cinco níveis de necessidades humanas, nesta ordem:
Fisiológicas (respirar, comer, beber água) – base da pirâmide;
Segurança (morar em uma casa, ter um emprego, ter uma família);
Afeto / Social (ter amigos, parceiro(a), familiares, intimidade sexual, fazer parte de uma comunidade);
Estima (ter autoconfiança, autoestima, respeitar e ser respeitado);
Autorrealização (ser criativo, resolver problemas, desenvolver talentos, evoluir pessoalmente) – topo da pirâmide.
As necessidades fisiológicas são as mais diretamente relacionadas à nossa sobrevivência, por isso estão na base da pirâmide. Talvez o meu “tesão na vida” não seja considerado um valor indispensável para a subsistência — mas eu acho isso altamente discutível. Afinal, “a gente não quer só comida...”.
Pode parecer papo existencial, mas essa é uma das questões que vejo surgir nas sessões de planejamento financeiro. Chega um momento em que precisamos nos questionar sobre as nossas prioridades: entender o que é necessidade, o que é desejo e o que é vontade. Parece improvável, mas é o tipo de reflexão que aparece ali no meio de uma planilha de Excel e saber fazer macros não vai ajudar preencher.
As necessidades estão no nosso dia a dia e, normalmente, aparecem todo mês. Mas, é claro, que para quase todo mundo outras coisas além das necessidades básicas também aparecem mês a mês. E existem aquelas coisas que são muito valiosas para nós, mas que, por serem caras ou inviáveis de serem realizadas no cotidiano, não se concretizam com frequência. Esses são os projetos que precisam de planejamento — ainda que mínimo — para acontecer. Às vezes é uma viagem, um curso, um carro, um imóvel... enfim, a lista de possibilidades é infinita.
Naturalmente, ao definir prioridades, fazemos escolhas sobre o que é necessário, o que não é necessário, mas queremos muito, e o que é uma vontade que, por ora, ainda não será atendida. Com base nisso, tomamos decisões importantes, que influenciam diretamente o nosso dia a dia — como quanto precisamos poupar e até onde vamos investir.
É parecido com gestão de projetos, uma habilidade com a qual muitos profissionais lidam direta ou indiretamente em seus trabalhos. Se nossos desejos e necessidades são de curto prazo, precisamos de aplicações com liquidez (ou seja, que possam ser facilmente convertidas em dinheiro). Se são de longo prazo, outras aplicações podem oferecer retornos mais atrativos e fazer mais sentido.
Vivemos em um momento raro da humanidade, em que quase tudo parece possível para todo mundo — e somos constantemente incentivados a querer tudo. Mas, se pararmos para pensar, não temos energia nem dinheiro para fazer tudo. Por isso, o olhar para dentro e a definição de prioridades são fundamentais. O que é realmente necessidade? O que é desejo e vale o esforço para ser conquistado? E o que é vontade, que pode ser adiada?
A vontade não será esquecida — estará registrada no nosso planejamento. E a vez dela pode chegar. Mas não é incomum que, com o tempo, ela perca relevância – tipo aquela vontade de largar tudo e ir viver no mato, mas lembrar que tem pânico de mariposa - e seja substituída por outros desejos que façam mais sentido naquele novo momento da vida.
E pra você, o que não pode faltar na sua vida: comida ou também diversão e arte?